Feliz Ano Novo

Feliz Ano Novo

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Quando decidiu fundar um Terreiro de Umbanda em Dublin, na Irlanda, há cerca de um ano, Rodrigo Oliveira não teve dificuldade em invocar Oxóssi, um dos Orixás do panteão desta religião brasileira, para um intercâmbio na terra dos vikings. O mais tenso seria superar preconceitos, num país cuja história é marcada por sangrentos conflitos religiosos entre católicos e protestantes. Ainda assim, não chegou a ser uma surpresa que o maior caso de hostilidade partisse justamente de brasileiros. “Estávamos em busca de um espaço quando entramos em contato com uma das maiores escolas de inglês de Dublin, cujo dono é brasileiro. Quando soube do objetivo, o responsável disse, logo de imediato, que já havia uma sala dedicada a cultos, no caso evangélicos, e não queria misturar as coisas”, lembra Pai Rodrigo D’Oxóssi, como é conhecido toda terça-feira.
Houve também o caso de uma médium, fiel da Umbanda que se comunica com os espíritos dos ancestrais, que estava num pub muito frequentado por brasileiros. “Ela conversava sobre o centro e, de repente, uma mulher que ouvia a conversa começou a dizer que aquilo era coisa do demônio. Foi um momento difícil”, lembra. A peregrinação continuou até chegar a hora de encarar a desconfiança, dessa vez, dos irlandeses. Um galpão de 100 metros quadrados numa área comercial no centro de Dublin parecia perfeito, até que a imobiliária questionou se o objetivo do grupo era fazer bruxaria. Mas bastou um e-mail, no qual explicou a história da mais brasileira das religiões, para o contrato ser fechado. Nascia assim a Tenda de Oxóssi e Pai Severino de Congo, o primeiro terreiro de umbanda na Irla
Os Orixás vêm atraindo estrangeiros, entre italianos, russos, argentinos, venezuelanos, portugueses e, claro, irlandeses como Paddy Barrett, de 47 anos. Ele ouviu falar da Umbanda por meio de amigos que viveram seis meses no Brasil, até que, diante de problemas afetivos, decidiu ver de perto. Durante uma cerimônia, no mês de junho, Paddy estava compenetrado; ora baixava a cabeça, ora batia palmas e até tentava entoar um verso e outro dos cantos da Umbanda. Quando recebeu o passe de energia de um dos médiuns (transmitido pelas mãos, que lembra outras técnicas de energização como Reiki) retornou a seu assento visivelmente impactado.
“Acho fantástica essa conexão direta e fico fascinado com a mudança no semblante dos médiuns. Quando jovem, eu tinha medo do Deus católico. Com a Umbanda é diferente. Sinto um clima mais harmonioso, de maior compaixão. Minha namorada, que é protestante, só não veio ainda por preguiça”, conta o irlandês, que mora na periferia de Dublin e enfrenta uma hora de trânsito até o Terreiro.
Essa curiosidade com a religião brasileira ficou evidente quando eles fizeram o primeiro trabalho externo. Trinta e cinco pessoas embarcaram num ônibus rumo a uma cachoeira em Glenbarrow, no centro-oeste do país, a duas horas da capital. Quando Rodrigo incorporou o Caboclo, devidamente trajado com um penacho e um charuto, o povo que fazia trilha na região achou que se tratasse de alguma encenação teatral. Cerca de 20 pessoas ficaram por ali, de soslaio, até que parte do grupo se juntou à cerimônia batendo palmas no ritmo do atabaque. Mas nem sempre é assim.  “O som do tambor é meio irritante, né?…”, admite o engenheiro irlandês Fergus Devine, que trabalha num escritório em cima do terreiro. “Mas fora isso, não vejo problema. Cada um com sua fé”.
O Brasil tem o quinto maior contingente de residentes não-europeus na Irlanda, segundo o último Censo de 2011, que apontou 8.704 brasileiros em toda a Irlanda. A saudade de casa gera momentos de angústia e alguns aplacam a saudade visitando o terreiro. Amanda Rodrigues, 27, designer de moda no Brasil e babá na Irlanda, se mudou há três anos e, apesar de já estar adaptada, decidiu procurar ajuda espiritual. Antes, porém, teve de encarar seus próprios preconceitos. “Fui criada no catolicismo, então eu mesma tinha bastante resistência à umbanda. Mas já estou na minha segunda visita. Sou grata por ter encontrado o Terreiro”, conclui.
Pai Rodrigo D’Oxóssi vive atento à conexão Brasil-Irlanda, a fim de importar produtos de toda sorte. Seus contatos são muitos, afinal, 18 dos seus 27 anos foram dedicados aos orixás em São Paulo. Aos 24, ele largou a rotina de bancário para tentar a vida no estrangeiro. Desde então trabalha como barman no The Sugar Pub e, talvez por providência divina, acabou morando justamente numa casa de brasileiros umbandistas, onde aconteciam cerimônias informais. No ano passado, quando passou 20 dias de férias no Brasil, decidiu voltar para a Irlanda com um terreiro a bordo. Embarcou com duas malas inteiras dedicadas apenas a produtos religiosos, até, enfim, encontrar um espaço para acolher os Orixás.
“É curioso como, olhando em retrospectiva, fomos encontrando as pessoas certas até chegarmos a essa comunhão que temos hoje. Acho que os Orixás também queriam vir pra cá”, brinca.

Nenhum comentário:

Postar um comentário